sábado, 11 de fevereiro de 2012

As ONGs e a democracia

Por Vilmar Berna (fundador da Rebia e editor do Portal do Meio Ambiente)

  Vez por outra sou informado que ONGs (Organizações Não Governamentais) importantes na história do movimento ecológico brasileiro ou fecharam as portas ou estão quase fazendo isso. Se fossem empresas, diríamos que abriram falência. Podem não se tratarem de fatos isolados, mas revelarem algo mais que pode estar atingindo a todo o chamado movimento ambientalista. Não se trata aqui de apontar erros, mas de buscar os motivos.

  Precisamos reconhecer que, nas últimas décadas, a consciência ecológica na sociedade mudou, e radicalmente, de uma visão que justificava o progresso a qualquer preço, para uma ideia de progresso que trás benefícios e sacrifícios que devem ser técnica, financeira e politicamente mitigados, reparados, compensados, tanto para o meio ambiente quanto para as pessoas.

  E que este processo não se deu por um acaso, mas principalmente pela combatividade e persistência das ONGs ambientalistas, tanto em apontar problemas quanto soluções. E este reconhecimento é importante para prosseguirmos na luta, por que se trata de um processo histórico e democrático em andamento, onde as ONGs ambientalistas tiveram um papel fundamental no passado, mas que ainda exercem hoje e ainda mais no futuro.  A sociedade precisa das ONGs, e quanto mais fortes, melhores, pois a distância entre a intenção e os gestos ainda é o grande desafio da sustentabilidade. A sociedade ainda irá contabilizar mais perdas que ganhos socioambientais antes de conseguir mudar o modelo de desenvolvimento de insustentável para sustentável. E quanto maior a consciência e a organização e forca das ONGs, mais os poderes públicos e o setor empresarial irão também evoluir para políticas publicas e privadas, e novas leis, que incorporem a sustentabilidade.

  E mais. Se esta vitória pela mudança de consciência ambiental pode ser atribuída em grande parte à atuação do movimento ambientalista, ela também precisa ser atribuída à imprensa, que ampliou a voz das ONGs. E neste processo, a imprensa se ambientalizou, dando origem à especialização do jornalismo ambiental, ao surgimento da mídia ambiental e das redes de informações ambientais, onde se incluem a Revista e o Portal do Meio Ambiente e a REBIA, aos núcleos de jornalismo ambientais, entre os quais se destaca pelo pioneirismo o do Rio Grande do Sul, que inspirou vários outros. A própria mídia de massa, sempre preocupada em refletir o interesse da sociedade, passou a incorporar a pauta ambiental. A ampla divulgação dos grandes acidentes ambientais, no Brasil e no mundo, fizeram e ainda faz avançar a consciência ambiental na sociedade. Infelizmente, por que este processo não precisava acontecer através da dor, por que o amor também constrói consciência ambiental.

  O surgimento e multiplicação da ONGs ambientalistas estão diretamente relacionados a esta tomada de consciência pela sociedade, num processo de alimentação e retroalimentação embora as ONGs não tenham um mandato eletivo, cumprem um papel social, não de representarem a si próprias, mas a estes segmentos da sociedade.

  Algumas ONGs escolheram o caminho da denúncia, e se tornaram mais combativas, outras, escolheram o caminho de oferecer modelos demonstrativos de solução, buscando captar recursos para realizarem projetos. Não existe aqui qualquer julgamento de valor, se um caminho é mais importante que o outro, pois acredito que ambos são valorosos e importantes. Entretanto, não conheço ONGs que conseguiram equilibrar bem os objetivos de denunciar numa ponta e mostrar as soluções na outra. Geralmente são mal interpretadas, como se estivessem criando dificuldades numa ponta para vender facilidade na outra. Em alguns casos isso pode ser até verdadeiro, mas não é a regra. Onde existem seres humanos, existem misérias e grandezas, típicas do humano. O fato é que é tão importante existirem organizações que nos alertam para os problemas quanto as que nos apontam soluções, criando modelos demonstrativos das mudanças que querem ver na sociedade.

  Entretanto, precisamos reconhecer que o equilíbrio entre ser as duas coisas ao mesmo tempo não é fácil. Enquanto para denunciar uma ONG só precisa de cidadãos voluntários conscientes, participativos e indignados, para apresentar soluções, precisa de técnicos qualificados. E nem sempre quem apontou soluções está qualificado tecnicamente para executá-la, forçando a ONG a ter de contratar profissionais no mercado, e aí ela não se diferencia de um empregador comum - precisa de recursos para pagar os salários de mercado e os direitos trabalhistas, o que quase nunca acontece. Já os profissionais que chegam não precisam ' vestir a camisa ', nem se sentir comprometidos nem com a causa nem com a ONG, por que não se requer mesmo isso deles, mas que apresentem resultados. Os conflitos entre associados voluntários e técnicos contratados numa ONG pode ser de difícil solução para a Diretoria, que nem sempre pode estar qualificada para atuar num ambiente de conflitos, e intermediar soluções a fim de se buscar o equilíbrio possível, que pode estar longe do ideal e mesmo desagradar a todos os lados envolvidos. Entretanto, é assim mesmo que acontece numa democracia.
 
  E aqui surge outro problema que costuma afetar as ONGs, a falta de democracia interna. E não necessariamente por má fé, mas por que são poucos os cidadãos conscientes na sociedade dispostos a se dedicarem a uma ONG. Os membros das Diretorias acabam se perpetuando no poder, às vezes por vaidade e oportunismo, mas às vezes por falta de quem se disponha a substituí-los. O processo democrático, com suas lutas internas, é importante para selecionar os melhores dirigentes entre os mais hábeis na lida dos conflitos e visões diferentes naturais em qualquer organização democrática. 

  Quando não há renovação democrática interna, a organização pode tender à esclerose, no sentido de ir endurecendo, perdendo a capacidade de intermediar conflitos, de arbitrar divergências e, o que é pior, afastando-se dos segmentos da sociedade que deveria representar. Enquanto houver dinheiro na ONG, a Diretoria pode contratar profissionais para executar os serviços - nada diferente do que uma empresa já faz, mas se negligenciar o papel dos voluntários e de ações da organização que não estejam efetivamente trazendo dinheiro para a Organização, a tendência é provocar o afastamento dos voluntários, que são os cidadãos que formam a razão de existir da organização.

  Então, quando o dinheiro acaba, e os profissionais vão embora, o que pode resultar é uma ONG de fachada, vazia de conteúdo e motivação e, então, não haverá mesmo mais razão de continuar existindo. Não será uma ONG ambientalista a menos, mas um tecido social democrático mais enfraquecido, significando que a sociedade terá dado um passo atrás nas suas conquistas democráticas do mundo melhor que é possível e que merece ter por que o está construindo efetivamente.
 

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